Manifesto Polissexual


Publicado em 11/12/2021.
Autorias anônimas.

Nossa comunidade sempre foi plural, diversa, ampla. Estamos por aí há décadas, e estamos mais do que cansades e furioses com o monossexismo estrutural da sociedade, e também com o apagamento que passamos dentro e fora de comunidades multissexuais. Fomos e ainda somos nosso contexto histórico. E nossa história, assim como nós, conta várias histórias.

Polissexual percorreu por muitas definições e utilizações. Passou pelo contexto do poliamor, já foi proposto como termo guarda-chuva para atrações por mais de um gênero, chegou até a descrever práticas sexuais entre múltiplos gêneros. O que faz mais sentido hoje, e sentido esse que existe há décadas, é ser uma orientação sexual.

Estávamos nas vanguardas! E estaremos entre as novas lideranças!

Essa orientação sexual, também, teve e tem muitas definições: atração por mais de dois gêneros, atração a partir de três gêneros, atração por muitos mas não todos os gêneros, atração por múltiplos/muitos/vários gêneros, entre algumas outras. A definição que mais defendemos e na qual encontramos sentido e pertencimento é a: atração por vários gêneros. Uma definição aberta, assim como nossa comunidade sempre foi.

Uma definição como essa é suficiente para acolher as inúmeras experiências de atração que encontraram, encontram e encontrarão sentido nessa palavra. Os caminhos que fizeram, fazem e farão pessoas encontrarem essa palavra são incontáveis.

Nossas experiências de atração (e não apenas sexual!) são múltiplas. Podemos ter uma atração dependente de gênero, que leva em conta a identidade de gênero, a percepção de gênero, a expressão de gênero, o alinhamento de gênero, a compreensão de gênero, e a descoberta de gênero. Podemos também ter uma atração independente de gênero, e fluir entre atrações dependentes e independentes de gênero. Podemos ou não ter preferências também. Nossas experiências incluem todos os sexos.

Uma palavra que traz consigo um sufixo que significa “vários” e “muitos” e definições que enfatizam a pluralidade de gênero. Uma palavra que desde sempre nunca deixou dúvidas sobre estar indo para além de dois. Uma palavra que sempre gritou para a sociedade que existem atrações por mais de dois gêneros e que não existiam apenas mulheres e homens. Nossa atração sempre foi para além do binário ocidental de gênero-sexo. A não-binaridade sempre esteve colada em nós antes de se tornar um conceito atual. Não por um acaso polissexualidade é tomada como uma “sexualidade não-binária” muitas vezes.

A interpretação da palavra é livre! Vários pode ser qualquer quantidade acima de um. As vivências também são livres! Podemos vivenciar a constância, a fluidez, a indefinição, e a contradição.

Não existe fórmula para nossa atração. Qualquer ume que se encontrar nessa palavra pode usá-la por qualquer motivo, sem dever satisfações a ninguém, sem necessitar de permissões alheias. Ah, e não! Não precisamos de sua validação! Nunca, jamais precisaremos!

Compreendemos os estigmas jogados em torno de nós que envolvem promiscuidade e infidelidade; porém, não fazemos questão de ficar provando virtude, esbanjando pureza moral. Podem ser promíscues, aproveitem sua liberdade sexual! Joguem-se na não-monogamia mesmo, não se dobrem às hierarquias afetivas e sexuais!

Compreendemos também os estigmas que nos acusam de legitimar relações sem consentimento. Podem engoli-los! Não pertencem a nós, não fazem parte de nossos princípios!

Assumimos, e até aqui pode ser evidente, que dividimos estigmas com nosses companheires multissexuais, como os exemplos des bissexuais e pansexuais. Portanto, vamos deixar acertado aqui e agora que nossas lutas não são tão distintas assim, que somos todes atacades pelo mesmo sistema opressivo.

Ah, e somos também acusades de forma falaciosa e infundada de fetichizar pessoas trans, intersexo e não-binárias. O que é curioso, pois há tempos acompanhamos as discussões das corporalidades dissidentes de gênero-sexo, e entendemos nossas atrações para além de genitálias e lógicas binaristas.

Parem de nos cobrar nossa história enquanto inventam lendas e boatos sobre nós! E parem de nos generalizar com exemplos avulsos e controversos!

Sempre estivemos por aí, transitando entre espaços de héteros e gays/lésbicas, visitando comunidades bissexuais, formando nossos meios para nos encontrarmos. Perdides? Às vezes. Sozinhes? Às vezes. Nunca nos encaixamos na dicotomia hétero-homo. Muites de nós não tiveram a oportunidade de conhecer bissexuais e comunidades multissexuais já formadas. Então formamos a nossa, assim como outres multissexuais, assim como es assexuais, assim como tantas outras pessoas fora da mononorma e das dualidades impostas.

Devido a nosso histórico confuso e bagunçado, não encontramos sentido em limitar os usos da palavra polissexual. Pode ser uma orientação única, pode ser uma orientação usada junto com outras. Pode ser uma única palavra, pode ser um termo guarda-chuva para outras palavras mais específicas. Pode ser sua casa, seu refúgio, seu coringa. E pode ser sua estrada, sua estadia temporária. Não somos apenas uma definição literal.

Não criem rivalidades entre comunidades multissexuais de identidades diferentes. Nossas lutas são em conjunto! Nossas definições podem se cruzar, se sobrepor; nossas experiências podem ser muito próximas, similares; contudo, o que nos unifica é sermos monodissidentes. Podemos ter histórias e contextos diferentes, mas seguimos unides desde sempre em movimentos organizados, devidamente antissistema. Quem inventa ou fomenta essas rivalidades está indo ao abismo do monossexismo, da despolitização, do assimilacionismo, da respeitabilidade.

Não focamos em diferenças, preferimos focar nas similaridades; afinal, são estas que nos articulam politicamente!

Nosso manifesto é uma mensagem, juntando informações, pesquisas, relatos, perspectivas e experiências. Não precisa ser tomado como verdade absoluta. Quem não se sentir contemplade por ele, respeitamos. Continuamos existindo com ou sem manifesto. E não é um manifesto que mandará em vocês ou validará quem vocês são. Sejam autônomes antes de tudo!

Sejamos todes apenas polissexuais! Polissexuais sendo polissexuais como bem querem ser polissexuais!

E finalizamos esse manifesto em pleno anonimato. Afinal, somos uma comunidade de pessoas tratadas como invisíveis e inaudíveis, ignoráveis, ininteligíveis; ou seja, perfeites desconhecides. Assinado por: polissexuais orgulhoses e desconhecides!